Dona Ume decidiu recomeçar aos 87 anos. Com a ajuda dos filhos, ela resgatou a plantação que herdou, e hoje é dona de uma fábrica de chá artesanal, em Registro (SP).

Depois de trabalhar 36 anos em indústria automotiva, Luis Marcos Gaboardi, 58 anos, viu o número de funcionários de seu setor cair de 300 para 80, além de ter sua carga horária e salário reduzidos.

Um movimento que tem se repetido muito nas empresas, nos últimos dois anos, com o agravamento da crise política e econômica. Com a renda menor, e mais tempo disponível, Gaboardi decidiu que era hora de colocar em prática o que planejou a vida toda: empreender.

Aposentado há um ano, ele visitou dezenas de cafeterias à venda. A ideia era aproveitar a estrutura e clientela para inaugurar um café diferenciado, dentro de um shopping, ou ambiente corporativo. Mas a tentativa não deu certo.

“Os estabelecimentos que visitei apresentavam grandes problemas de gestão, e um faturamento aquém do que eu esperava”, diz.

Gaboardi decidiu então, seguir o conselho de um primo, e pesquisar o mercado de franquias. Atraído pela expansão da produção de cervejas artesanais no Brasil, ele investiu R$ 100 mil, que ganhou como funcionário CLT e há dois meses inaugurou uma franquia Mr. Beer, no shopping Ibirapuera.

Com o aumento da expectativa de vida no Brasil e os riscos do sistema previdenciário brasileiro, Gaboardi faz parte de um contingente que abriu mão do descanso para trabalhar, mesmo após a aposentadoria.

O relatório GEM (Global Enterpreneurship Monitor), com dados de 2011, indica que o Brasil conte com aproximadamente 21,1 milhões de empreendedores (17,1% da população). Deste total, estima-se que 3,1% desses empreendedores estão na faixa dos 60 anos.

Tal resultado traduz, na verdade, uma questão de sobrevivência, na visão de Edmir Kuazaqui, 53 anos, consultor e professor da ESPM.

Com o mercado de trabalho fechado para esse público, empreender é a primeira opção para seguir trabalhando e obter uma renda complementar.

De acordo com o consultor, alguns estudos preconizam essa tendência desde os anos 1990. E incentivou as gerações Baby Boomer e X a se planejar para esse momento da vida.

“Eles são mais pé no chão, e tendem a ter escolhas mais tradicionais”, diz. “Ao se aposentar, utilizam o FGTS para dar continuidade a uma vida tranquila e estável, mas ainda cheia de trabalho.”

Para as próximas gerações, Kuazaqui acredita que o caminho possa ser diferente. Dedicados a empreender ainda jovens, é possível que as empresas se interessem pela bagagem que esses profissionais oferecerão no futuro.

Além disso, muitas empresas já trabalham em atividades sociais para incluir idosos no quadro de funcionários.

 

IDADE X SONHO

Aos 87 anos, Ume Shimada encontrou forças para resgatar a plantação de chá, que pertenceu à sua família na década de 1980. Hoje, com 89 anos, ela afirma que idade é o que menos atrapalhou na hora de empreender.

Filha de japoneses apaixonados pela roça, dona Ume cresceu na cidade de Registro, a 189 quilômetros de São Paulo, onde a família desembarcou, ao chegar do Japão.

No interior do Estado, seus pais plantaram café, cana de açúcar, e também o próprio chá preto – bebida que dona Ume está habituada a consumir desde os cinco anos, e que hoje garante seu sustento.

Dona Ume viveu o auge do chá, na década de 1980, quando a cidade se tornou uma das principais no cultivo da planta, e sua família fornecia para uma das 43 fábricas de chá da cidade.

Mais tarde, ela observou também a decadência do segmento com uma crise, que atingiu a região e levou à falência praticamente todos os fabricantes.

“Olhava para o chazal coberto de mato e chorava de tristeza”, diz.

Esse sentimentou persistiu por anos, até que dona Ume deparou com a valorização de pequenos produtores orgânicos, e se animou a fazer parte desse time.

Com a ajuda dos filhos, ela limpou todo o terreno, e plantou as primeiras mudas. Foram dois anos até o negócio – Obaatian, o chá da vovó, finalmente, se ajustar. Sem revelar quanto investiu, nem quanto fatura dona Ume diz que o negócio cresce a passos lentos.

Com a ajuda da filha, e de quatro funcionários, ela distribui o chá para algumas lojas de Registro, além de vendê-lo pessoalmente, em feiras livres.

O objetivo é tornar o chá conhecido, e conquistar clientes em outras cidades. Dona Ume diz que não tem pressa.

Fonte: Diário do comércio